domingo, abril 11, 2004

país sem remédio

"(...) A festa da RTPNessa mesma tarde, no reabilitado espaço da Marechal Gomes da Costa, a RTP estava em festa, e recebia numerosos convidados. No lado de fora, no pátio, umas figuras em andas bamboleavam-se ao frio, criando o ambiente de festa. Dentro do edifício, trabalhava-se afanosamente na renovação - e estreava-se o novo super-estúdio. Numa enorme tenda montada no parque de estacionamento, decorria a festa propriamente dita. A tenda tinha um palco, por cima do qual actuavam uns trapezistas. Depois havia uma grande plateia, com três alas grossas de cadeiras brancas, todas iguais, menos uma: na primeira fila de cadeiras, na ala do centro, mas numa posição mais à direita, destacava-se uma espécie de trono - um cadeirão de madeira, bastante mais alto, que parecia comprado numa loja de velharias da Rua de S. José, e que ali destoava totalmente. O que tornava aquele trono mais estranho era estar completamente incrustado entre as cadeiras de plástico brancas, com se fosse natural.

A entrada do duqueMas eis que, de repente, no meio do barulho da música, do bruaá dos convidados, e da actuação movimentada de uma trapezista, entrou o duque de Bragança. Havia finalmente uma explicação para o trono. O próprio D. Duarte parecia deitar-lhe um olhar cobiçoso. Foi então que a trapezista deu por terminada a sua actuação, e estalou uma salva de palmas. O duque distraiu-se do trono, e começou ele a agradecer logo as palmas. No entanto, os olhos dos que aplaudiam fixavam-se no ar, na trapezista, que agradecia também. E alguém do protocolo acabou por sentar D. Duarte numa cadeira da ala esquerda, a uma distância considerável do trono.

O primeiro-ministroFinalmente, com considerável atraso, entrou a comitiva de convidados mais lustrosos, acompanhada pela administração da RTP: vinha o primeiro-ministro, e o cardeal-patriarca, que lá fora acabara de abençoar aquelas novas instalações. Durão Barroso dirigiu-se naturalmente para o trono, mas antes de se sentar hesitou um pouco. Aquele momento de hesitação impediu uma gafe forte. É que, entretanto, uma senhora do protocolo, que trazia o cardeal pelo braço, se apressou a empurrá-lo para o trono. Era o trono cardinalício. Uma tradição cultivada por Cerejeira, e que pelos vistos ainda perdura. Só que, no tempo do cardeal Cerejeira, o trono era colocado ligeiramente à parte, e não incrustado à força no meio das outras cadeiras. Desta vez, D. José Policarpo ficou a pairar bem acima das outras individualidades presentes, com a cabeça quase a roçar os pés das trapezistas, que ele olhava com apreensão. Mafalda Mendes de Almeida, quando reparou na cena, completamente atónita, comentou: «Mas aquilo parece um programa do Contra-Informação!». Parecia. Na verdade, o pobre D. José nunca apareceu numa situação tão ridícula no Contra-Informação."

(por Pedro D`Anunciação, "Expresso" 9 Abril 2004)

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